sábado, 25 de agosto de 2012

Os eus de um McDonalds mais perto de você.

Era por volta da hora do almoço e eu acabara de chegar a Salvador, voltando de Ilhéus, junto a uma querida amiga, após três dias de comemorações do centenário de Jorge Amado. Estávamos ainda encantadas pelo violão poético de Caetano e pela cachaça sonora dos sons, verbos e brisas que vinham da Família Caymmi. Sem contar a tarde de domingo, que engoliu a noite ébria em batuques e vozes molhadas, tocando samba, mpb, rock, folk e modas de viola das melhores safras musicais! Tudo foi, de maneira concisa, flutuante demais...

Naquela segunda-feira ensolarada, em um tedioso engarrafamento, nós suportávamos - famintas - a constatação de que era preciso voltar imediatamente ao mundo urbanoide do cotidiano soteropolitano:

- Vamos almoçar no McDonalds!

Sóbrias e decididas, rumamos à lanchonete mais próxima. 

Na mesa ao lado, três prováveis estudantes de ensino médio: duas meninas e um menino. Ouvindo em recorte, eles conversavam em modo de confissão, declarando confidências em alto e bom som. Pelo tom das vozes, pude notar a  felicidade deles por haver diante de si espelhos da sua loucura mais íntima. Uma  das meninas continuou o assunto:

1: - Ai, que bom encontrar alguém que seja tão louco quanto eu. Vocês também sabem que, quando eu vejo um número, eu só penso em sexo, ou se ele é masculino ou feminino?

2: - Eu também! Por exemplo, o seis é uma mulher grávida!

1: - O cinco é homem.

3: - E o oito é uma mulher gordinha.

1: - O oito eu não consigo definir!

3: - Com aquela cintura e aquele bundão? Tá na cara que é mulher!

2: - Vai ver é "sapatão"?

1: - É, pode ser...

2: - Mas o seis, definitivamente, é uma mulher grávida!

Eu quase engasgava e não conseguia mastigar o sanduíche. Segurei a respiração para não rir em voz alta, ao mesmo tempo em que achava tudo muito interessante! 

Pois, ao lado do devaneio alheio, logo ali, estava eu engolindo a cultura capitalista ao molho cheddar, depois de respirar a voz rouca e linda de Nana Caymmi. Eu, que por aquela chuva pude sentir a emoção das entidades que moram nas nuvens. Eu, que me sentia nós, ao sorrir empaticamente por olhos de conhecidos e desconhecidos que se encantavam por aquela oportunidade musical e cultural única. Eu, que ouvira "canções pra caminhões de guitarras e coros" e batucara na mesa plástica, alternando entre goles e sorrisos. Eu, que sambei sem tirar o pé do chão, embora a alma estivesse solta ao "vento ateu". Eu, que queria "passar uma tarde em Itapuã", mas só me restava aquele resto de batata frita. Eu, com minha poesia e filosofia barata de mesa de Barrakitica! 

Eles lá, expondo suas fantasias mais esdrúxulas - como quem atualiza status no Facebook sem vergonha ou qualquer preocupação com julgamentos, desde que haja muitos "curtiram". Eles sendo seus eus, na hora e na vez da juventude, em suas mesas de fórmica com cheiro de fastfood. E eu aqui, que não sei ao certo se "amo muito tudo isso", querendo manter a viagem acesa na memória. Logo eu, que tento expor de modo lírico e sarcástico os assombros de uma pessoa que trilha com perplexidade e espanto os caminhos da misteriosa vida humana.

A gente nunca imagina o que nos espera em um lugar que poderia ser qualquer esquina do mundo.