sábado, 20 de abril de 2013

Rir para não chorar ou, se for para chorar, vamos beber.

Nosso Brasil é um país único, singular, idiossincrático, penso eu. Nossas tentativas de mudança para um estado realmente democrático de direitos sempre trazem enormes falhas, mas a gente continua otimista. Na maioria das vezes, torcendo e brigando por nossos times de futebol, questionando os altos preços dos smartphones, acreditando na publicidade, depreciando verbalmente nossos representantes eleitos, compartilhando indignações nas redes sociais etc. Tudo porque somos brasileiros e não desistimos nunca. Para mim, algo de um esquema: "rir para não chorar" ou "se for para chorar, vamos beber".

Explico. Nesta semana, eu ouvi uma delegada em palestra justificar o porquê de a delegacia pela qual responde ficar com as portas fechadas à noite: gente, é falta de segurança, pois só há dois policiais no plantão. Hã? E hoje eu acabo de assistir à reprise de um programa de televisãocuja pauta era "segurança privada", focando a discussão sobre o crescente número de arrastões nos restaurantes paulistas. Neste, o entrevistado falava, ou melhor, vendia um pacote chamado "kit arrastão", no qual o restaurante (ou qualquer pessoa física contratante) pode dispor de um "botão de pânico", que, diante de uma situação de assalto e roubo, ao ser acionado, contacta imediatamente uma equipe de vigilância remota, sempre alerta e à disposição para um pronto atendimento... 

Conforme concluiu ironicamente um dos componentes da mesma mesa em que a referida delegada participou, daqui a um tempo será solicitado ao secretário de segurança pública que contrate segurança privada para as delegacias e outros serviços públicos por falta de segurança.

Tirem suas próprias conclusões. Eu ri para não chorar.

De outra parte, quando estou em casa, não muito raro escuto os ecos sonoros das escolhas musicais da vizinhança. Às vezes alto até demais, invadindo meus ouvidos de maneira violenta, isto é, desrespeitando meu direito de silêncio. Porém, o que mais me intriga é que geralmente são músicas de conteúdo apaixonado, aquele sentimento de dor, saudade, sofrimento, como uma pena autoinfligida. Nada contra. Obviamente, tem quem goste de sofrer. Mas o que é que isso tem a ver com o assunto acima?

Você nunca se perguntou por que se vende tanta música de dor, paixão não correspondida, traição e outras mazelas do coração? Já eu, de tanto escutar a dor alheia no consultório, ou mesmo pelas insistentes músicas que atravessam a janela de minha privacidade, tenho me feito essa questão com frequência.

Trata-se de uma pergunta de amplo espectro e, de igual mandeira, assim são as respostas possíveis. Por isso, eu já associei a mil coisas, embora todas elas sempre atinentes à nossa realidade brasileira - globalizada? -, tanto em âmbito individual quanto social. No entanto, o recorte que  quero trazer aqui é mais social; leia-se: fenômenos de massa. 


Faça chuva ou faça sol, à espreita de nosso drama, alcançando a luz de uma sombra muito maior, sempre estará um crooner romântico. Qual seja o estilo musical, o intuito é, para além da arte, movimentar a economia da ilusão. Se o pacote vier com cerveja, então, melhor ainda. Basta prestar atenção nas letras das músicas. Não à toa, as cervejarias são os grandes patrocinadores por detrás de shows, festas e eventos nos quais tais artistas sertanejos, axezeiros e astros do pop são as estrelas principais; isso sem falar nos estádios de futebol, mas deixemos essa parte para lá. 

O que todos sabem é que a gente se anestesia ao ingerir álcool, alterando a consciência e criando realidades paralelas à nossa existência cruel e difícil, seja horizontalmente por um amor não correspondido, seja pela dominação vertical de um poder financeiro/econômico de grandes entidades (públicas e privadas). E estas dão sempre um jeito de colocar nossos direitos em patamar inalcançável à maioria da população. É evidente que contam, por tabela, com a nossa participação apaixonada, alienada, passiva e omissa no processo.

E voltamos ao círculo vicioso, que tem a ver com manter nossas situações absurdas, tal como a relatada no início deste texto. Quem não se lembra do sarcástico Renato FechinePor essas e outras razões que, se for para chorar, vamos beber, porque o costume é escolher o caminho mais fácil e suportável. 

Mas tem de ser sempre assim?