terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Uma pausa na piada.


Indo pegar o buzu, passei por uma banca de jornal. Então me deparei com a capa da revista Veja. E lá estava a foto da primeira vítima da tragédia em Santa Catarina: uma linda menina, branca, loira e dos olhos verdes. Seu nome é Luana Eger e tinha 3 anos.

Fiquei a pensar qual seria a razão para a escolha da capa. A tragédia desproporcional comoveu o Brasil, com 300 bilhões de litros de água que caíram em cinco dias, deixando, além da pequena Luana, mais de 100 pessoas mortas e por volta de 80 mil desabrigados e desalojados. A matéria da revista traz “as causas, o desespero e os prejuízos do dilúvio que atingiu... um dos estados mais prósperos e desenvolvidos do país”.
Nesta época do ano, costumamos ficar mais “humanos” e solidários ao próximo. Principalmente, diante de acontecimentos como esse. Mas, sensibilidades e comoções à parte, e no resto do ano? E nos infortúnios que ocorrem de dose em dose, de mês a mês? Fiquei a me perguntar por que não se fala mais nos dramas diários da (irônica) falta de água nos estados mais pobres do país? Será que não vende mais revista?

Ora, não pretendo aqui pesar a importância do fato, nem diminuir a nossa sensibilidade e solidariedade diante das calamidades, ou mesmo desprezar o modo como atingem o coração das famílias, o sofrimento diante das desgraças e as incertezas geradas para o começar de novo.

No entanto, quero questionar a cobertura midiática e a capitalização da penúria alheia. Foi assim com Isabela Nardoni e, recentemente, com Eloá. Será que mostrar as gerações fadadas pela seca, pela fome e pela miséria, com heranças indigentes de avô para neto já não vendem mais capas de revista, não preenchem mais pautas jornalísticas e não ganham a nossa audiência das manhãs e tardes televisivas? Será que é porque a gente sempre quer se identificar com o sulista próspero que vive um evento funesto e o nordestino inane, negro, seco, de olhos profundamente tristes é feio, é normal e, por isso, não merece a nossa atenção?

Sei que pode parecer muito denso e sarcástico pensar essas coisas num momento como este. Porém, se não for agora, quando pensaremos a respeito?

Ops! Meu ônibus chegou.

.................................................

5 comentários:

  1. Essa foi a capa de 05/12...

    A da semana passada foi com os Nardonis e a "incrivel" marca deles à 200 dias na cadeia.

    A da outra semana foi com o desespero de um ator que sabe lá Deus porque se entregou as drogas e está tentando se recuperar.

    Por isso que entre outras coisas, ainda prefiro ler a Playboy.
    É sério. Claro que as figurinhas são interessantes, mas as reportagens até que são legais.

    Infelizmente a midia hoje em dia está mais preocupada em chocar do que em informar.
    Claro que atrocidades tem de ser denunciadas, até para que se cobrem das autoridades as ações cabíveis, mas infelizmente não é só com isso que a mesma está preocupada...

    Virou moda a venda da banalização da violencia, do terror, da tragedia. Precisava colocar uma menina tão bonitinha na capa?!?!?!

    Pensando bem, acho que era isso mesmo que eles queriam, mas se dependerem de mim ficam sem vender nenhuma revista.

    Parabéns pela iniciativa!!!

    Xero!

    ResponderExcluir
  2. Nine,
    Pensei o mesmo. Achei um absurdo, com toda sinceridade, o povo do Ceará mandando mantimentos para SC, enquanto há anos as pessoas de lá morrem de fome e sede por causa da seca....

    ResponderExcluir
  3. Claudinha,
    Acho que são válidas todas as mobilizações em torno dos transtornos... Como eu disse no post, não quis medir a importância dessa ou daquela situação trágica e dramática. Só acho injusto com aqueles que há anos e anos sofrem dos mesmos problemas e pouco merecem a nossa atenção, pois não vendem mais jornais...

    Nine.

    ResponderExcluir
  4. Nine, simplesmente fantástica a abordagem feita por você em relação a matéria de Veja. Claro que todos temos que nos resignar com os acontecimentos como calamidades. Entendo também, quando vc cita o drama secular dos nordestinos. O que quero aqui nesse momento é ir um pouco mais além da sua abordagem. No nosso dia-a-dia (desculpem os hífens), passamos por situações muito mais chocantes, coisas que a natureza humana não consegue entender, e, usando as suas palavras, "não vendem capas, revistas, jornais, comentários". O que me assusta muito em toda essa situação é a importância banal dada pela imprensa. Será que somente os catarinenses sofrem com revoltas da natureza??? A região Sul da Bahia está passando pela pior sêca ´dos últimos 28 anos, nãos eria interessante mandarmos mantimentos pros nossos irmãos??? Ou será que por não sermos de um estado "próspero e desenvolvido", não merecemos a atenção midiática disposta pelos catarinenses???
    Não quero aqui fazer desagravo, mas a imprensa brasileira de um modo geral, desvia a tenção do público em geral com tais matérias e deixa passar coisas muito piores e melhores pra se falar. Porque não foi dado destaque a seu "José" que tá passando fome e ninguém lhe dá um prato de comida?? Muito pelo contrário, nos cuspimos, chutamos, fazemos que não é com a gente... O Mal são os outros...
    Desculpa por esse dasabafo.
    Beijos

    ResponderExcluir
  5. Nine,

    Vc, como sempre, faz "remexer" minhas idéias com suas reflexões sempre tão pertinentes...

    Adorei a idéia do blog, e como não estamos tendo mais momentos de conversas (como na época da facul) ler seus comentários vai me deixar menos "saudosa" da sua companhia.

    Beijos grandes!

    ResponderExcluir

entre na fila e diga o que pensa...


(Rejeitaremos mensagens que: desrespeitem a lei; apresentem linguagem obscena ou ofensiva; sejam de origem duvidosa; tenham finalidade comercial ou não se enquadrem no conteúdo deste blog.)